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Reoneração da folha ou "nem tudo que incomoda é inconstitucional
A premissa é um tanto quanto questionável, mas é debate que extrapola as finalidades do presente artigo.
A desoneração da folha - estratégia legislativa de redução dos encargos previdenciários sobre a folha de pagamento mediante substituição de incidência sobre base-de-cálculo alternativa - é tema recorrente no custeio previdenciário, especialmente nos últimos 20 anos. Em linhas gerais, a contribuição previdenciária sobre a folha salarial tem sido apontada como eventual vetor de desestímulo a contratação de mão-de-obra e a desoneração como potencial solução. A premissa é um tanto quanto questionável, mas é debate que extrapola as finalidades do presente artigo.
A desoneração, ainda de forma incipiente e um tanto quanto obscura, foi autorizada no art. 195, § 9º da CF/88, por meio da EC 20/98, a qual previa a possibilidade de alteração de bases-de-cálculo de contribuições sociais em hipóteses variadas. Todavia, a questão ganha corpo somente com a adição do art. 195, § 13 da CF/88, mediante a EC 42/03, com a expressa e direta autorização de substituição da cota patronal previdenciária por acréscimos de alíquotas na COFINS.
Com isso, surgiu a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta - CPRB, pela MP nº 540/2011, convertida na lei 12.546/2011. Inicialmente, a MP 540/2011 contemplou empregadores do setor de tecnologia da informação e comunicação e as indústrias moveleiras, de confecções e de artefatos de couro. A tributação alternativa, até então, sempre fora explicitamente prevista como forma temporária de incidência de contribuições previdenciárias.
Com o tempo, novas atividades econômicas foram adicionadas e o mecanismo foi se perpetuando no sistema tributário nacional, com evidente perda de arrecadação para a manutenção do plano de benefícios da previdência social. Não por outro motivo a EC nº 103/19 - última reforma previdenciária em âmbito constitucional - expressamente findou a possibilidade de tais medidas, mediante nova redação do art. 195, § 9º, o qual não mais prevê a possibilidade de alterações de bases-de-cálculo das contribuições previdenciárias, assim como a revogação do art. 195, § 13.
Não obstante a cristalina vontade do Constituinte Derivado em findar o mecanismo de favorecimento tributário, a própria EC 103/19 trouxe previsão autorizativa para preservar o regime vigente, de forma a poupar as substituições até então vigentes (art. 30). No entanto, a previsão referida, de forma alguma, determina a sua manutenção, deixando ao Legislador Ordinário eventuais mudanças futuras.
Curiosamente, o mesmo parlamento que aprovou as mudanças constitucionais referidas, alijando do sistema normativo as desonerações referidas, entendeu por bem, com base no art. 30 da EC 103/19, manter a benesse até 2027 para os setores envolvidos na desoneração, o que motivou o veto da Presidência da República, posteriormente derrubado pelo Congresso Nacional.
Em nova tentativa de findar a desoneração de folha já desejada desde a EC 103/19, o Poder Executivo publicou a MP 1.202 de 28 de dezembro de 2023, abordando a temática de desoneração e, dessa vez, criando dinâmica de transição entre o modelo "temporário" e a submissão às regras gerais de tributação previdenciária. Daí a perspectiva que nos motiva ao presente artigo: seria constitucional a referida mudança? Entendo que sim.
Para tanto, parodiando Marco Aurélio Greco, quando diz que "nem tudo que incomoda é inconstitucional", aqui me parece ser exatamente o caso. Primeiramente, estamos diante de uma forma excepcional de tributação previdenciária que, como se sabe, sempre foi admitida como "provisória". Segundo a MP não revoga, simplesmente, a desoneração, mas cria mecanismo de transição entre os sistemas. É realidade normativa bem diversa de um singelo veto que teria, como efeito prático, o retorno imediato de diversos empregadores ao regime original de tributação.
Ou seja, não cabe, aqui, o argumento no qual a MP simplesmente busca superar o veto legislativo por outros meios. Na verdade, é defensável que a MP faz justamente o contrário, pois concilia o desejo do próprio Congresso Nacional em findar a desoneração (EC 103/19) e conjugar com uma transição adequada entre os regimes.
Inegável que a dinâmica é confusa e mesmo complexa, mas, como diz o mestre, nem tudo que incomoda é inconstitucional... Como já tive oportunidade de expor em diversas outras situações, o que carecemos é repensar, de forma global, o custeio previdenciário brasileiro. Medidas pontuais e voltadas a determinados setores, não raramente, incrementam a entropia do sistema e propiciam privilégios.
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